domingo, 27 de julho de 2008

«É conveniente ter "tento na língua"...»

Imagem daqui

« As últimas semanas encheram a minha confusa ignorância de conversas sobre economia, mas o proveito foi mínimo.
Primeiro, estive atento ao debate sobre o estado da Nação. Além de ter ficado com a ideia de que não houve qualquer debate e que tudo se resumiu às resmunguices da Oposição e aos ralhetes do primeiro-ministro, não resolvi uma só das minhas dúvidas angustiantes. Nunca percebi por que razões os números tinham sempre duas leituras: eram maus, ou péssimos, para os deputados e "boas notícias para Portugal" no verbo do engenheiro Sócrates.
A seguir, ainda mergulhado em dúvidas, ouvi Vítor Constâncio, cuja fama (lembram-se?) ficou ao rubro quando descobriu o célebre défice de Santana Lopes, aliás de Bagão Félix, aliás de Manuela Ferreira Leite, como agora dá mais jeito dizer. Pois bem, se há coisa devastadora foi a descrição que o fez do estado do país. Lidos os números, não se pode fugir a uma constatação: nada melhorou nos últimos cinco anos. Ainda fiquei a pensar na maldade de Constâncio ao ter-se atrasado quatro convenientes dias, mas era tudo tão mau que passei adiante.
É claro que não tinha razão: afinal, bem podíamos nós, portugueses, levantar as mãos aos céus, pois somos dos melhores da Europa, salvo erro os quartos melhores. Disse-o o engenheiro Sócrates na TV, mas veio o FMI e disse o contrário: mais confusão.
Foi então que apanhei, também na televisão, uma conversa de especialistas. Fiquei siderado com a profecia segundo a qual "isto" (a situação mundial) só melhorará quando os chineses começarem a gastar e os americanos começarem a poupar. Saltou-me logo à memória o dogma do "produzir e poupar" do Portugalzinho rural e humilde do velho doutor Salazar.
Desliguei o televisor. Depois de "pessimista de serviço", como a ministra da Educação gosta de chamar aos que se preocupam com o facilitismo no Ensino, e de "velho do Restelo", que é assim que nas Obras Públicas conhecem os que criticam fazer obras sem haver dinheiro, só me faltava que o primeiro-ministro tivesse de vir a terreiro mandar-me "ter tento na língua".
Decidi, então, ir para a praia. Só voltarei em Setembro - se nessa altura o Director ainda me mantiver esta tribuna impertinente. »
Texto de opinião de António Freitas Cruz do JN
COMENTÁRIO:
Que bom é saber que não estamos sozinhos na nossa incredulidade!

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