"O povo ganhou uma certa aversão ao discurso político. É muito provável que esteja disposto a votar numa muda
Talvez seja bom começar por fazer uma declaração de interesses, visto que me apercebi de uma súbita afi nidade intelectual com a protagonista da minha reflexão de hoje. Manuela Ferreira Leite e eu somos almas gémeas: em Agostambém ninguém me apanha no Algarve. Ao que parece, porém, uma decisão pode ser politicamente desastrada. Eis aqui uma constatação que tem escapado aos mais eminentes politólogos.
Na verdade, é quase impossível encontrar, em toda a história das ideias políticas, um pensador que se tenha detido na problemática da comparência em festas. Significa isto que o problema central da vida política portuguesa desta semana não encontra resposta nem bibliografia à altura. Antes de poderem pronunciar-se sobre o assunto, leigos como eu necessitariam de escutar atentamente a opinião de um híbrido entre filósofo político e especialista em vida social, uma mistura de John Rawls com Paula Bobone, uma fusão de Robert Nozick com Lili Caneças. Onde encontrar um autor com estas características? Resposta: em lado nenhum. Por incrível que pareça, os estudos sociais e os estudos do social têm andado divorciados, talvez por fútil competição académica.
Em todo o caso, e por muito que nos faltem ferramentas teóricas para avaliar a decisão de Manuela Ferreira Leite, o certo é que não pode deixar de se sublinhar uma certa coerência de procedimentos. Ferreira Leite tem sabido defender-se magistralmente das críticas. Ninguém ousa, por exemplo, criticar o pensamento político da presidente do PSD. Por uma razão extremamente simples: ninguém sabe qual é. Quando recusa participar em eventos nos quais há o perigo de ter de o revelar, Ferreira Leite está a preservar um trunfo inestimável para as próximas eleições legislativas. O povo ganhou uma certa aversão ao discurso político. É muito provável que esteja disposto a votar numa muda. Quase aposto que o tempo de antena do PSD vai ser feito com recurso ao jogo Pictionary. A Manuela desenha e o povo, em casa, tenta adivinhar o que ela propõe.
Por outro lado, além de se ter livrado de um problema político, Manuela Ferreira Leite evitou também um embaraço linguístico: diz-se «Tenho todo o gosto em estar aqui EM Quarteira’ ou ‘Tenho todo o gosto em estar aqui NA Quarteira»? Consultei os especialistas do excelente sítio Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que tiveram a gentileza de me esclarecer: nenhuma das formas está correcta, na medida em que é impossível que alguém tenha todo o gosto em se encontrar naquela localidade algarvia em pleno mês de Agosto. Mesmo no resto do ano, é muito complicado."
Texto daqui
1 comentário:
Excelente ... é um rapaz assertivo :-)
Bjos H.!
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