domingo, 28 de setembro de 2008

POEMA DE JOSÉ GOMES FERREIRA


Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira

3 comentários:

Anónimo disse...

Amiga linda, nem todos os dias são tão incrivelmente realistas. Nem sempre pensamos assim. O que hoje sentimos como faca espetada aprendemos a tomar como um espinho, de rosa?

Tomara eu que fosse realmente diferente ...

És uma pessoa de uma beleza extraordinária. Um coração enorme. Não estejas triste ... Ou ... fica triste mas por poucos minutos porque ... às vezes, são mesmo 'apenas' espinhos.

Desculpa-me o desabafo ...

Bjo,
M.

Hurtiga disse...

Obrigada, M.

:)

Anónimo disse...

Pode parecer exagero ou pieguice mas ter-te conhecido ajudou-me imenso em épocas tão difíceis. Estou a passar uma delas mas não me sinto sozinha.

Assim, obrigada, eu.
Bjos,
M.